Kawasaki por "Dra. Adriana Melo"

A seguir, apresento, em linhas gerais, alguns dados, a partir da literatura médica, sobre a Doença de Kawasaki (DK). 

A DK é um processo inflamatório sistêmico, sendo que o acometimento das artérias coronárias é o aspecto mais significativo da doença. Tornou-se a causa mais prevalente de doença cardíaca adquirida da infância nos países industrializados, a partir dos dados dos Estados Unidos da América e do Japão.

A maior incidência da DK ocorre em crianças asiáticas, principalmente japonesas, chinesas e coreanas. No entanto, todos os grupos étnicos são acometidos. No Japão, no último estudo epidemiológico, em 2008, observaram-se 218,6 casos de DK para cada 100.000 crianças menores de 5 anos; taxa mais elevada que dos últimos dados, incluindo anos epidêmicos. Em 2006, nos EUA, estimou-se uma incidência de 20,8 casos para cada 100.000 crianças menores de 5 anos. Em um trabalho canadense, observou-se um padrão sazonal, predominando no final do outono e inverno, assim como no Japão. Acomete predominantemente crianças pequenas entre 6 meses e 5 anos.

Inicialmente, no Japão, no final dos anos 60, foi descrita pelo Dr. Tomisaku Kawasaki uma série de casos com um grupo de sinais e sintomas, que, posteriormente, associou-se essa doença com o acometimento cardíaco. Essa doença então recebeu o nome de DK em sua homenagem.

A sua etiologia ainda não foi estabelecida. Com os dados sobre a DK, até o momento, sugere-se que a causa seja um agente infeccioso comum, desencadeando um processo inflamatório que resulta na DK em um subgrupo de indivíduos geneticamente predispostos. Particularmente, as células inflamatórias que infiltram as paredes das artérias produzem substâncias que enfraquecem a sua estrutura, resultando na formação das dilatações e aneurismas.

O diagnóstico da DK é clínico, baseado nos critérios descritos a seguir. Não há um teste diagnóstico.

A DK completa (Clássica) caracteriza-se por:

- Febre por 5 dias ou mais, e pelo menos 4 dos 5 critérios abaixo:

- conjuntivite bilateral, não secretiva, bulbar;

- alterações de orofaringe: língua em framboesa; e/ou enantema (vermelhidão difusa da mucosa); e/ou lábios vermelhos, rachados, sangrantes;

- aumento de gânglio cervical (diâmetro maior que 1,5cm, geralmente unilateral);

- exantema (mais prevalente é o exantema maculopapular difuso, pode ser mais acentuado na região perineal, frequentemente ocorre descamação);

- alterações de extremidade - eritema ou edema das mãos e/ou pés na fase aguda, ou descamação periungueal na fase subaguda.

Nos últimos anos, tem-se observado casos de Kawasaki incompleto, quando o paciente apresenta febre por pelo menos 5 dias, mas com 2 ou 3 dos critérios acima. A American Heart Association (AHA) já publicou em 2004 um fluxograma onde orienta a condução dos pacientes com critérios insuficientes para o Kawasaki clássico, baseando-se também em outras alterações clínicas e laboratoriais, para assim se diagnosticar o quadro incompleto e indicar o tratamento.

Existe ainda a denominação de DK atípica. Esse termo é utilizado para pacientes que preenchem os critérios da DK, mas com alterações clínicas não usuais, como o acometimento renal.

A febre, geralmente, é alta e não responde a antibióticos, assim como pode ser de difícil controle com os antitérmicos. Os critérios não precisam ser concomitantes, portanto, é importante a história clínica detalhada com a descrição de todos os sinais e sintomas apresentados pelo paciente. Se não tratada, a doença febril dura ao redor de 10-14 dias.

Outras alterações clínicas, não incluídas nos critérios diagnósticos, podem estar presentes e ajudar na suspeita clínica. Entre elas: irritabilidade importante, meningite asséptica (sem evidência de agente infeccioso), uveíte anterior, artrite ou artralgia, alterações gastrointestinais, uretrite, eritema do local da aplicação da BCG.

Os diagnósticos diferenciais são diversos. Entre eles, algumas doenças exantemáticas virais; infecções bacterianas (Adenite cervical, Escarlatina, Síndrome da pele escaldada, Síndrome do choque tóxico); doenças imuno-mediadas (Stevens-Johnson, Febre reumática, Artrite idiopática juvenil, Lupus eritematoso sistêmico, outras vasculites); dentre outras.

Os achados laboratoriais são inespecíficos. Podem colaborar na suspeita diagnóstica quando o paciente não apresenta todos os critérios diagnósticos. Evidencia-se um aumento das provas inflamatórias – proteína C reativa (PCR) e velocidade de hemossedimentação (VHS). Frequentemente se observa um aumento dos leucócitos, com predomínio neutrofílico, inclusive com predomínio de formas jovens dessas células. Anemia é observada principalmente com o período prolongado de inflamação. Trombocitose (aumento do número de plaquetas) é característico, geralmente na segunda semana da evolução da doença. Hipoalbuminemia é comum, assim como o aumento das enzimas hepáticas (transaminases). Piúria estéril (aumento dos leucócitos na urina, sem sinal de infecção) pode ser observada.

A DK apresenta três fases: aguda, subaguda e convalescência. A fase aguda é o período febril. A fase subaguda se inicia com a resolução da febre até o final da resolução das alterações clínicas, em geral duas semanas. A fase de convalescença compreende o período do final da fase anterior até a resolução das alterações das provas inflamatórias (velocidade de hemossedimentação) e das plaquetas.

Todos os pacientes com suspeita de DK realizam um ecocardiograma e um eletrocardiograma. Na fase aguda pode haver envolvimento de qualquer componente – miocárdio, pericárdio, endocárdio, valvas, sistema de condução e artérias coronárias. As alterações coronarianas

podem ocorrer na fase aguda, mas o mais comum é na fase subaguda. Ocorrem em até 25-30% dos pacientes não tratados e é a principal causa de morbidade e mortalidade da doença. Com o tratamento dentro dos primeiros 10 dias da doença, esse risco é reduzido para 3-5%. Outras artérias podem estar envolvidas, apesar de raro – artérias ilíacas, axilares, renais.

Dentre os fatores de risco associados ao desenvolvimento das lesões coronárias encontram-se: sexo masculino, extremos etários, febre prolongada, atraso de diagnóstico, persistência da febre após tratamento ou recrudescência. E dentre os laboratoriais – alterações mais importantes do hemograma com anemia mais acentuada, aumento das células de defesa (leucocitose e aumento absoluto de formas jovens de neutrófilos), plaquetopenia; aumento significativo ou persistente do PCR ou VHS; hipoalbuminemia.

O tratamento visa bloquear ou reduzir a inflamação nas artérias coronárias. A recomendação atual da AHA é a infusão intravenosa de gamaglobulina (IVIG) em dose única total associada ao uso de aspirina em dose alta. O tratamento deve ser iniciado, preferencialmente, dentro dos primeiros dez dias, principalmente na primeira semana. Mas todo paciente ainda na fase aguda deve ser tratado. Após o tratamento inicial, a criança vai seguir com dose baixa de aspirina, enquanto se monitora a resolução da doença, das provas inflamatórias e o acompanhamento ecocardiográfico para avaliação de alterações cardíacas. As crianças que não apresentaram lesões cardíacas ou apenas alterações transitórias, geralmente, seguem bem. Quando há alterações persistentes, o tratamento da sequela cardíaca será contínuo.

A maioria das crianças, quando tratada dentro do tempo descrito, apresenta boa resposta, com defervescência e resolução das manifestações inflamatórias. No entanto, entre 5-15% podem persistir febris ou apresentar recorrência da febre e dos sinais inflamatórios, laboratorialmente persistindo com o valor da PCR elevado ou voltar a aumentar, sendo necessário retratamento, e o que se recomenda é uma nova dose de IVIG. Apesar de retratar, ainda aproximadamente 3-4% desses não respondem. Para os não respondedores, outras opções de tratamento têm sido avaliadas.

A avaliação cardiológica é recomendada a cada 5 anos, ou 3-5 anos para aqueles que tiveram alterações cardíacas. O acompanhamento pediátrico de rotina é fundamental, bem como seguir orientações em relação a tabagismo, obesidade, diabetes, hipertensão e anormalidades lipídicas ao longo da vida – infantil-adolescência-adulta.

Assim, essa é uma das doenças infantis que se precisa estar atento para se fazer o diagnóstico em um período hábil, iniciando-se o tratamento e minimizando-se o risco de lesão cardíaca. Existe ainda o desafio do diagnóstico dos casos incompletos. É uma doença para a qual ainda faltam muitos dados para seu completo entendimento.


Bibliografia

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